quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Sob o Signo de Eros - II



        
De ti tenho apenas pequeníssimas e suaves lembranças,
farpas azuis entrelaçadas no tecido tênue da memória:
O topete de garoto, o olhar sonolento, a seda das mãos.
E teu cheiro macho, tua voz, teus dedos, tua língua, tua espada
 a penetrar-me, por todos as fendas, nas horas leves da madrugada.

O resto é apenas penumbra, paredes brancas, verdes janelas,
Meu corpo ganindo de desejo a oferecer-te águas e montes,
planícies e desfiladeiros, ladainhas e gritos e doído silêncio.

                          Do poema “Sob o Signo de Eros”    
                                   Ana Maria Rosa, em novembro de 2012. 

Reconhecimento



O fino traço dos olhos, uma linha
esperam em mim, postos e retos.
O esguio corpo marchetado
aguarda-me teso e convexo
Garras e presas graníticas.
Fito-a e meu corpo ofereço ao seu repasto:
Vem bicho do mato, onça-pintada
Vem, me dilacera, vem e me devora.
Imito seu andar digitígrado.
O salto felino vejo-o no ar.
Mas, eis que seus olhos famintos se abrem:
girassóis amarelos em mudo reconhecimento.
Dentro deles, eu me reflito: onça-feroz,
um rugido nascendo na garganta,
pintas desbotadas, caminhos escuros
mata fechada, céu escarlate...
O tratador ordena que eu me afaste,
Vozes rasgam a tarde azul.
Há um clamor no zoológico.
Eles veem a mulher e a onça
no iminente ritual de morte.
Há um silêncio de vidro na arena.
Somos apenas dois bichos presos,
ela e eu: onças-pintadas.

Ana Maria Rosa
Feira de Santana, inverno de 2012.